Você pode saber mais do que muitos à mesa, mas se eles não quiserem te ouvir, vão fazer parecer que você não disse nada.”
É um silêncio diferente. Não aquele que conforta, mas o que grita por dentro. Aquela sensação de estar em uma reunião, em pé no galpão ou sentada numa mesa de decisões e perceber que sua fala não pesa tanto quanto a deles.
As ideias são boas, a experiência é real, os resultados estão ali. Mas, mesmo assim, tratam como se a presença fosse decorativa. Quase invisível. Quase um enfeite.
Para a mulher do Agro, essa é a realidade silenciosa que se repete todos os dias.
E é sobre isso que eu quero conversar aqui. Porque é do agro e te tratam como figurante? Isso não precisa mais continuar assim. É possível conquistar seu lugar, sem gritar, sem se moldar a ninguém — apenas com estratégia, presença e consciência.
A mulher no agronegócio ainda é vista como apoio, não como liderança
É curioso como, mesmo em pleno 2025, o agronegócio, um dos setores mais importantes do Brasil, ainda se apega a uma estrutura tão masculina, quase medieval em alguns momentos.
Dados do IBGE e da CNA mostram que as mulheres são responsáveis por cerca de 30% das propriedades rurais. Mas em quantas reuniões elas lideram de fato? Em quantas decisões a voz feminina é considerada central?
Mesmo com presença crescente, a mulher no agronegócio ainda precisa se explicar o tempo todo. “Sou engenheira agrônoma, não só filha do dono.” “Esse projeto foi minha iniciativa, não do gerente.” “Sim, quem coordena a produção sou eu.”
E o mais desafiador: muitas vezes, a resistência vem disfarçada. Não é um “você não pode”. É um “não repara, mas vamos resolver entre os homens”.
É do agro e te tratam como figurante: O silêncio que invalida

Essa é a palavra-chave principal, e ela não foi escolhida à toa. Porque ser tratada como figurante não é uma ofensa direta. É um apagamento lento. Vem em frases pequenas:
- “Depois a gente te atualiza.”
- “A reunião era mais técnica, por isso não te chamamos.”
- “Vamos ouvir o fulano primeiro, ele tem mais tempo de estrada.”
É como se sempre houvesse um argumento para te deixar de lado. E o pior: quando a mulher tenta se impor, dizem que está exagerando ou que é sensível demais.
Esse jogo sutil de exclusão mina a confiança, o desejo de crescer e até a saúde emocional. Só que existe um ponto de virada. E ele começa quando se entende que não é preciso ser como eles para ser respeitada.
O que incomoda é a presença: quando a mulher ameaça o sistema informal
Um dos principais motivos do apagamento feminino no agro é que a presença da mulher ameaça uma dinâmica que eles aprenderam a dominar. Conversas em bastidores, decisões em churrascos, acordos feitos no café da manhã antes da reunião começar.
Ambientes onde só homens estão — e se sentem à vontade. A presença feminina, ainda que silenciosa, já é percebida como uma interferência. E é aí que surgem as piadas, as interrupções, o desdém.
É exatamente nesse ponto que muitas recuam. Se retraem. Evitam confronto. E silenciosamente, voltam para o papel de figurante.
Mas há outro caminho. E ele não exige confronto direto. Exige estratégia.
Negociação no agro: Como agir em ambientes dominados por homens

Negociar em ambientes masculinos exige mais do que preparo técnico. Exige consciência de território, leitura de bastidores e, principalmente, inteligência emocional para não se perder em meio às dinâmicas veladas que dominam o agronegócio.
No agro, essa realidade se intensifica. Muitas decisões não são tomadas na sala de reunião, mas sim no intervalo do café, no grupo de WhatsApp fechado, na roda do churrasco após o expediente. São ambientes informais onde o tom de voz, o sobrenome e o tempo de convivência valem mais do que currículo ou competência.
Isso não significa que é impossível romper essa barreira — mas significa que a estratégia precisa ser refinada.
A seguir, compartilho estratégias práticas, pensadas especialmente para mulheres que enfrentam esse ambiente todos os dias. Talvez algumas já tenham sido tentadas. Outras, podem abrir um novo caminho. Todas têm um único foco: transformar presença em respeito.
1. Assuma sua autoridade sem pedir permissão
Esse talvez seja o passo mais desafiador, principalmente para quem cresceu ouvindo que é preciso esperar o momento certo para falar ou “não ser arrogante”. Mas aqui vai uma verdade: esperar reconhecimento de quem não está disposto a enxergar sua competência é perda de tempo.
O respeito no agro, assim como em qualquer outro setor masculino, não vem do tom de voz, vem da entrega.
- Está com dados sólidos em mãos? Apresente.
- Conduziu um projeto que deu resultado? Traga os números.
- Tem domínio sobre a operação? Mostre isso com linguagem simples e segura.
Não há necessidade de se explicar demais. Nem de suavizar a fala com frases como “é só uma sugestão”. Quando uma mulher fala com clareza, consistência e segurança, os outros percebem. E sentem.
2. Fale por último quando possível
Essa é uma das táticas mais elegantes e eficazes em reuniões dominadas por homens. Em vez de entrar logo no começo e correr o risco de ser interrompida ou ignorada, deixe todos se posicionarem antes. Observe, anote, e então entre em cena.
Quando uma mulher fala por último, ela tem a vantagem de costurar o que foi dito, corrigir o que foi distorcido e reforçar o que importa. O que poderia ser apenas mais uma opinião vira uma conclusão. Um fechamento. Um comando.
Exemplo prático:
“Depois de tudo que foi colocado, acredito que a melhor decisão agora é essa. E explico por quê.”
Essa posição mostra controle, raciocínio estratégico e inteligência relacional. E, mesmo sem falar alto, transmite poder.
3. Reforce o que foi ignorado com naturalidade
Quantas vezes uma ideia sua foi ignorada — e minutos depois, um homem repetiu e foi elogiado?
Essa cena se repete muito no agro. E a resposta não precisa ser ríspida. Precisa ser firme e natural.
Se interromperem, volte com leveza e direção:
“Como estava dizendo antes da interrupção…”
“Vou retomar a parte central do que mencionei há pouco, porque impacta diretamente essa decisão.”
Ao fazer isso, você ensina os outros a respeitar sua fala, sem entrar em embate. O ambiente percebe. E, aos poucos, isso muda o jogo.
4. Use a pausa como arma
Sim, a pausa é uma das armas mais sofisticadas numa negociação — principalmente quando não há espaço para interrupção direta.
Fale com calma. Não corra para terminar. Pause após dizer algo importante. Olhe nos olhos de quem está na mesa. Deixe o silêncio criar o desconforto que vai obrigá-los a te ouvir.
Essa pausa cria uma tensão que valoriza cada palavra. É como se dissesse: “Isso que acabei de dizer é importante. E não será ignorado.”
Exemplo:
“Esse número mostra que a estratégia anterior falhou. (pausa) Precisamos rever isso antes de seguir.”
A pausa exige atenção. Quem tenta te atropelar percebe que está sendo confrontado — sem que você diga uma palavra a mais.
5. Seja objetiva, econômica e direta
Em ambientes masculinos, especialmente no agro, onde a objetividade é valorizada, falar demais pode jogar contra. Homens estão acostumados a medir autoridade pelo impacto, não pelo tempo de fala.
Por isso, vá direto ao ponto. Use frases curtas. Apresente o dado, traga a solução e pare de falar. Isso incomoda no começo, especialmente se houver vontade de justificar ou explicar demais. Mas é esse incômodo que gera respeito.
Evite frases como:
- “Não sei se faz sentido, mas…”
- “Posso estar enganada, porém…”
E troque por:
- “Essa é a análise com base nos dados mais recentes.”
- “Essa decisão representa uma economia direta de 12%.”
A economia nas palavras transmite precisão. E quem fala com precisão é ouvido com atenção.
6. Antecipe o bastidor — e, quando possível, esteja nele
Como dito antes, muitas decisões no agro são tomadas antes da reunião começar. O que parece definido em 15 minutos foi alinhado informalmente dias antes.
Por isso, sempre que possível, antecipe conversas com quem tem influência. Marque um café com aquele fornecedor estratégico. Fale antes com o gerente de produção. Alinhe com antecedência o que vai defender.
Isso evita surpresas e reforça que você também sabe jogar nos bastidores, sem abrir mão da ética.
Se não for possível participar do bastidor, traga os bastidores para a luz. Comece a reunião dizendo:
“Conversei com os responsáveis pela parte logística e temos alguns pontos de alerta que precisam ser considerados antes da decisão.”
Essa estratégia expõe o processo informal e te coloca como peça central da negociação.
7. Não reaja com emoção, reaja com método
É compreensível sentir raiva, frustração ou decepção ao ser desvalorizada. Mas em ambientes dominados por homens, especialmente no campo, a emoção feminina ainda é usada como argumento para desacreditar sua competência.
Por isso, mesmo quando houver provocação ou boicote, responda com método. Mostre o erro. Aponte os dados. Revele a falha com elegância.
Exemplo:
“Essa decisão foi tomada sem o levantamento de safra atualizado. Isso pode gerar um custo oculto de R$ 180 mil. Posso apresentar os dados agora.”
É assim que se neutraliza uma exclusão: com estratégia, não com justificativa.
8. Registre, formalize e deixe claro o protagonismo
Quando for responsável por uma conquista, projeto ou melhoria, formalize. Registre por e-mail. Apresente relatórios. Compartilhe os resultados em grupos oficiais.
No agro, onde tudo tende a ser resolvido no boca a boca, o que não é registrado acaba sendo esquecido — ou atribuído a outra pessoa.
Formalizar não é vaidade. É sobrevivência estratégica.
Negociar é jogar — e toda jogadora aprende a ler o campo
Negociação no agro não é sobre gritar mais alto. Nem sobre tentar ser igual aos homens. É sobre entender que existem regras invisíveis nesse jogo — e que, uma vez que se aprende a lê-las, é possível virar o placar com inteligência.
Toda mulher no agro que ocupa uma cadeira hoje aprendeu a ler o campo. Entendeu que algumas partidas se vencem sem bola no pé, apenas com visão, tática e postura.
E agora, essa leitura está nas suas mãos também.
Frases que devolvem o controle com firmeza e classe
Saber o que dizer, especialmente quando tentam te colocar de lado, é uma das armas mais eficazes. Aqui vão algumas frases que funcionam em reuniões, apresentações ou conversas técnicas:
- “Vou concluir meu raciocínio, e depois podemos voltar ao ponto anterior.”
- “Essa solução é baseada nos dados que coletei nas últimas safras.”
- “Essa decisão afeta diretamente minha área, então gostaria de apresentar um ponto de vista.”
- “É importante que essa informação seja considerada, já que partiu da equipe que eu lidero.”
- “Acredito que essa análise será mais precisa com os números atualizados. Posso apresentar agora?”
Não se trata de ser agressiva. Trata-se de colocar a própria presença no centro, com classe e consistência.
O poder das alianças femininas (mesmo que sejam poucas)
Mesmo sendo minoria, a mulher no agro pode criar redes de apoio. E isso não exige eventos ou fóruns. Pode começar com uma troca de olhares em uma reunião. Uma conversa nos bastidores. Uma troca de mensagens com outra mulher que também está sendo silenciada.
Essas alianças silenciosas têm poder. Porque criam suporte emocional, incentivo e estratégia. E podem evoluir para parcerias reais.
Muitas líderes que hoje ocupam espaços importantes começaram com uma dupla de confiança. Uma aliada que reforçava ideias, validava dados e dava suporte nos bastidores.
No agro, fazer parte de uma rede — ainda que pequena — muda tudo.
Presença feminina no agro: O que incomoda também transforma

A simples presença da mulher em espaços antes masculinos já causa movimento. E, sim, isso gera resistência.
Podem tentar te desestabilizar com ironias. Podem te excluir das conversas. Vão tentar te convencer de que não é o momento, ou que há coisas mais importantes.
Mas saiba de uma coisa: quanto mais resistem, mais você está avançando. Porque se não incomodasse, passariam por cima sem dificuldade.
Então, em vez de resistir à tensão, aprenda a conviver com ela. Use o desconforto como sinal de crescimento.
Cinco atitudes práticas para deixar de ser figurante
Agora que tudo isso foi dito, é hora de colocar na prática. Se quiser sair da posição de coadjuvante e conquistar seu lugar, comece por essas cinco atitudes:
- Escolha um espaço estratégico onde possa liderar com autonomia.
Pode ser um projeto específico, uma área da fazenda, uma negociação técnica. Mas que seja visível. - Apresente resultados com números, não com justificativas.
Mostrar performance é mais eficaz do que explicar intenções. - Não participe de reuniões para “preencher a mesa”.
Fale. Questione. Sugira. E, quando necessário, conteste. - Evite se desculpar por ocupar espaço.
Frases como “é só uma sugestão” ou “não sei se faz sentido” reduzem a força da fala. - Tenha ao menos uma aliada por perto.
Construir respeito em rede é mais rápido e mais poderoso.
O que fazer quando eles boicotam seu avanço?
Infelizmente, quanto mais visível a mulher se torna, mais ela será testada. Vão surgir:
- Microagressões disfarçadas de brincadeiras.
- Decisões tomadas sem te avisar.
- Pessoas tentando levar o crédito pelas suas ideias.
A resposta? Não é se defender. É se posicionar.
Responda com dados, com firmeza, com pausas longas e olhar direto. Faça com que os outros presentes percebam. Torne o desconforto deles visível.
E se tentarem te excluir, use uma frase que encerra qualquer dúvida:
“Se essa decisão envolve minha área, preciso estar incluída.”
Você é força no campo e presença na sala de reunião
No fim das contas, o agro precisa do olhar feminino. E não por uma questão de cota. Mas porque a mulher tem uma percepção que muitos homens ainda não desenvolveram: sensibilidade sem fragilidade. Visão ampla com foco nos detalhes. Escuta com autoridade.
É do agro e te tratam como figurante?
Isso só vai continuar se você permitir. A transformação começa quando a presença deixa de ser tolerada para ser impossível de ignorar.
E isso não acontece da noite pro dia. Mas começa com uma escolha: não se calar. Não recuar. Não pedir licença.
💬 Não mais figurante: agora é protagonista
Se esse artigo trouxe algum incômodo, é porque tocou em algo verdadeiro. E se trouxe um alívio, é porque talvez, pela primeira vez, alguém te disse: você não está exagerando. Eles estão, sim, tentando te apagar.
Mas agora, existe consciência. Estratégia. Clareza. E, principalmente, a certeza de que não é preciso imitar ninguém para conquistar seu lugar.
A pergunta agora é: em qual área você vai deixar de ser figurante hoje?